Tive uma infância muito feliz, a minha mãe sempre me tratou com muito carinho. Com 14 anos tornei-me uma adolescente atraente e comecei a pensar nos rapazes, como é normal nas adolescentes dessa idade. Aos 15 anos comecei a reparar no meu vizinho que era mais velho seis anos. Ele também reparou que eu tinha crescido e passado algum tempo começamos a namorar às escondidas, pois eu era muito nova e estava apaixonada por ele.
Entretanto fiquei grávida e falei com ele, mas ele não reagiu como eu esperava. Disse logo que o melhor era abortar. Fiquei muito chocada e comecei a notar que ele era bruto quando falava, mas eu era uma menina e achava que devia ser normal. Acabámos por casar.
O bebé já tinha nascido, era um menino lindo com 4,950kg e 52cm. Olhei para aquele menino e perguntei a mim mesma o que iria eu fazer. Fui viver para casa da minha sogra que era uma mulher horrível. Foi tão má para mim. Ele nunca me defendeu nem nunca me ajudou com o filho. Dizia que esse trabalho era para as mães. Ele começou a sair com amigos e eu passava as noites a chorar. Quando eu dizia alguma coisa deixava de falar para mim e ainda fazia pior, então comecei a calar-me para ele não se zangar comigo.
Tinha-mos uma empresa de construção civil e outra ligada a químicos, onde eu trabalhava, pois ele não me deixava trabalhar fora das nossas empresas. Nunca fui paga pelo trabalho que fazia. Ele é que controlava o dinheiro. Eu nem cartão multibanco tinha, quando ia às compras tinha de levar o cartão dele.
Entretanto fomos viver para o Algarve, sozinha e sem ninguém que me ajudasse. Ele já falava coisas que me magoavam e eu comecei a ter medo de falar pois não tinha ninguém por perto que me pudesse ouvir. Desta vez consegui impor-me e fui trabalhar para a Santa Casa da Misericórdia, na área dos cuidados continuados.
Passados dois anos nasceu o segundo filho e ele já mostrava indícios de ser uma pessoa agressiva pois quando nos zangávamos ele dizia que eu era uma estúpida, uma burra e coisas piores. Isso magoava-me tanto que eu andava sempre triste e fazia tudo para que ele andasse contente.
Quando o segundo filho tinha 6 meses, um dia ele chegou a casa às 5 da manhã. Eu estava sem dormir e perguntei de onde ele vinha. Respondeu que eu não tinha nada com isso mas eu continuei com a mesma conversa. Ele deu-me a primeira bofetada e pôs-me na rua com um filho ao colo de 6 meses de idade. Agarrou a minha roupa e atirou-a para a rua como se eu e o filho fôssemos uns animais. Ele sabia que eu não podia ir para sitio algum sem dinheiro e também sabia que eu nunca me iria embora sem o outro filho que estava a dormir. Nessa noite, dormimos na rua. No outro dia ele saiu e levou o filho mais velho com ele. Tive que ir pedir leite para o bebé a uma vizinha.
Voltei para casa como se eu tivesse feito algum mal e sentindo-me culpada porque não deveria ter falado. Daí para a frente não lhe custava nada bater-me. Era como eu fosse uma propriedade dele, não podia sequer olhar para o lado que ele me perguntava logo para quem eu estava olhando, se eu conhecia aquela pessoa.
Entretanto nasceu o terceiro filho. Era uma menina e eu fiquei triste e feliz ao mesmo tempo. Deixei de viver. Apenas pensava nos meus 3 filhos. Quando a menina nasceu, eu tinha 20 anos e era uma menina também. As agressões foram acontecendo constantemente. Ele bebia demais, frequentava casas nocturnas e eu tinha muito medo dele.
Nunca contei nada a ninguém, pois tinha muita vergonha. Um dia bateu-me tanto em frente aos filhos que fui parar ao hospital de muito mal tratada. Quem me levou para o hospital foi um polícia amigo.
Quando eles já eram maiores, o mais velho ainda se lembrava de quando ele tinha 4 anos e eu tinha ido para o hospital. (Se repararem numa das minhas fotos tenho uma cicatriz por cima do lábio do lado esquerdo, e foi uma cirurgia muito bem-feita, mas mesmo assim nota-se).
Nada fiz e voltei para casa pois sabia que se saísse de casa, não tinha onde dormir, nem dar de comer aos filhos. Os miúdos começaram a ter medo do pai e sempre que o pai me batia, eles se pudessem escondiam-se. Em relação á violência psicológica, já nem fazia caso. Era tão normal que ele dissesse que eu tinha amantes ou que eu era uma puta. Para mim era igual pois sabia que nada disso era verdade. Porém fui ficando debilitada e não me sentia um ser humano. Achava que não era ninguém e tinha pena de mim própria.
Fui uma mãe espectacular. Dediquei-me de corpo e alma e dizia que já que eu não podia ser mais nada na vida, ao menos iria ser uma mãe encantadora. Sempre tratei os filhos com todo o amor que podia, encobrindo muitas vezes o pai.
Certo dia, já vivíamos em Lisboa, e os miúdos tinham 18,16 e 14 anos, ele bateu-me tanto á frente deles que eu fui internada no Hospital de S. José com três traumatismos cranianos e toda muito mal. Fiquei internada. A minha filha foi visitar-me e não me reconheceu.
Voltei mais uma vez para casa e ele pediu-me desculpa, que não fizesse queixa, que ele nunca mais me fazia mal, disse que me amava e eu por incrível que pareça fiquei feliz. Durante um tempo ele foi meigo para mim e eu adorava ser amada. Eu pedia tão pouco… Porém ele só ficava assim até eu esquecer e depois voltava ao mesmo.
Os miúdos cresceram, ficaram adultos e acabaram por sair de casa para irem viver todos juntos. Claro que me perguntaram se eu queria viver com eles mas eu disse não. Que não podia deixar o pai. Não me sentia com coragem de fazer nada, tinha medo de tudo.
Novamente fomos os dois viver para a nossa casa no Algarve. Aí eu estava completamente sozinha. Ele fez-me tanta coisa que nem vou contar pois mexe com outro campo que eu não quero falar.
Há um ano atrás ele bateu-me pela última vez pois eu disse basta, não me fazes mais mal, vou-me embora desta vida. Agarrei nalgumas roupas, sem dinheiro liguei a um filho que vivia em Lisboa e perguntei se ele tinha um quarto para eu ficar. Ele disse: claro mãe vem, nós estamos aqui para o que tu precisares. Fui então viver com ele e com a namorada dele.
Passei um mês sem sair do quarto. Estava demasiado debilitada psicologicamente. Comecei então a receber telefonemas, emails com ele a tratar-me mal e mais tarde, ameaças de morte. Mudei de número de telefone, bloqueei os emails dele, só que ele começou a mandar os emails para a nossa filha, sempre com o mesmo conteúdo: a injuriar-me e a ameaçar-me de morte.
Cheguei a ter medo de sair á rua, pois um amigo dele telefonou-me a dizer-me que ele me ia mesmo matar. Chegou a ligar aos filhos a dizer-lhes que me ia matar.
Então, amigos aconselharam-me a sair do país. Antes de sair fiz queixa-crime dele por ameaças de morte, pela primeira vez, levando o meu filho e a namorada como testemunhas, assim como os mails que tinha recebido, mas isto não dá em nada pois não acredito na nossa justiça.
Optei por ir viver para a Noruega, onde estava a minha filha. Foi bastante difícil a adaptação pois é um país muito frio. Não conseguia encontrar trabalho. O meu marido continuou a provocação/perseguição, pois nunca deixou de enviar emails para a minha filha. Porém ele não me conseguia encontrar porque a minha filha nunca lhe tinha dado a morada dela, dado que ela não falava com ele, pois ele chegou a bater-lhe enquanto ela me tentava defender.
Estive lá vários meses, mas entretanto resolvi que tinha de voltar ao meu país e lutar pela vida a que tinha direito. Fui pedir apoio psicológico á APAV. Foram espectaculares para mim. Tenho sido acompanhada por uma psicóloga fantástica. Ajudou-me a ganhar confiança em mim, a ganhar força interior, fez de mim uma nova pessoa. Pelo que sei, ele tem outra pessoa e já deixou de me “chatear”.
Mas eu NUNCA mais tive medo.
Estou desempregada, mas todos os dias continuo na minha procura, não vou desistir até conseguir. Vivo com um subsídio da segurança social no montante de 192,00 euros por mês.
Já tentei o divórcio amigável, mas ele não aceitou pois queria que eu assinasse um acordo a favor dele, coisa que não fiz. Então o advogado disse-me que ele iria pedir o divórcio litigioso. Até hoje não recebi nenhum comunicado e foi-me concedido apoio jurídico para o divórcio. Continuo á espera, para ver se me livro totalmente dele.
Neste momento estou bem, gosto de mim, tenho uma auto estima muito grande, tenho vontade de lutar por ter o meu canto, consegui libertar-me e ver que sou forte. Cheguei á conclusão de que sempre que queremos, conseguimos.
Tenho 3 filhos que me adoram e foram sempre eles que fizeram com que eu não desistisse de viver. Eles têm 28, 26 e 24 anos, eu tenho 45, mas sinto-me jovem e com muita vontade de viver.
Espero que todas as mulheres nesta situação, vítimas de agressões, tenham coragem de dizer: BASTA !!!
Este foi o meu testemunho de vida. Peço a outras mulheres que tenham passado por situações idênticas que exponham os vossos problemas. Temos de deixar de ter medo. Nós não estamos sozinhas. Acreditem que as coisas podem melhorar. Beijões
G. R. 18-03-2010
Estimada Gracy,
Li com atenção o doloroso e violentíssimo “retrato” que deixa a nu toda a crueldade, gratuita, arrastada pelo nobre sentimento de quem simplesmente quer dar de si tudo o que é seu a alguém em quem acreditando amou, ou amou acreditando.
Como a Gracy bem sabe, existem mecanismos no ser humano que lhe concedem capacidades inimagináveis de quase inconsciente desbravar matos espinhosos que mesmo ferindo não conseguem provocar dor e muito menos sangue, pelo que e assim sendo, a Gracy só tem que acreditar na Mulher que foi, na Mulher que é e na Mãe que sabe beber as suas próprias lágrimas fazendo delas um sorriso para oferecer aos os três Filhos.
Gracy, acredite!
Gracy, não desista!
Gracy, olhe o céu porque dele virá a mensagem que a todo o momento nascerá o seu merecido percurso da Felicidade.
Beijinhos.
Carlos Gamito
Gracy,Amiga-Irmã, Mulher-Coragem,
Também eu tive uma vivencia semelhante, nao “aturei’ tantos anos, mas comi o “pão azedo” amassado pelo demónio…
Receba um abraço carinhoso de alguem que a “entende” ..
Um abraço da Australia
Rute Gomes
Brisbane
Anime-se, ainda tem muito para viver, pense que há sempre uma boa razão para termos passado por más experiências (servem para evoluirmos nesta caminhada que é a vida, subirmos de nível no nosso EU para um outro melhor, mais reflexivo, consciente das nossas imensas capacidades de superação).
Passar por más experiências também nos permite apreciar melhor as boas. Eu gosto de viver, aproveito todos os momentos e não haverá ninguém que me tire esse gosto (é o meu cantinho secreto).
E como disse alguém: o mais importante e nobre do ser humano não é evitar cair, é voltar a levantar-se após ter caído.
Quantos anos ainda quer viver? Decida isso, depois trace um plano de felicidade para usufruir nesses anos (coisas simples, gratuitas, a felicidade encontra-se ao lado no sofá, no mesmo lugar em que estamos) e ponha-o em prática, já!
Um abraço,
Isola